A Aviação Geral exerce funções de inegável interesse público e é objeto de diretrizes apresentadas na Política Nacional de Aviação Civil (PNAC) e no Plano Aeroviário Nacional (PAN) 2018/2038, as quais devem ser observadas, sob pena de detrimento do setor
A Aviação Geral é segmento do setor aéreo brasileiro que abrange as operações de transporte de passageiros e carga oriundas da Aviação de Negócios, Táxis Aéreos, Serviços Especializados (SAE), Aviação Agrícola, Oil & Gas, e Aviação Privada, dentre outros.
Cerca de 90% da frota nacional de aeronaves é operada pela Aviação Geral e mais de quatro mil helipontos e aeródromos públicos e privados são atendidos por seus operadores, sendo que tal segmento é responsável pela conectividade aérea entre grandes centros e cidades menores, enquanto as companhias aéreas, em termos comparativos, atendem pouco mais de cem aeroportos.
A relevância da Aviação Geral se evidenciou quando decretado o estado de calamidade pública no país em decorrência da pandemia de COVID-19, e a Aviação Comercial vivenciou crise inédita, vez que as companhias aéreas foram obrigadas a reduzir drasticamente a oferta de seus serviços em virtude das medidas de contenção da contaminação, mas a Aviação Geral, em contrapartida, apresentou crescimento significativo, viabilizando a continuidade do transporte aéreo no Brasil.
Além do evidente viés mercantil da Aviação Geral, interesses humanitários e de saúde pública também são garantidos pelo segmento, vez que a Aviação Geral é responsável pelo transporte aeromédico de passageiros enfermos, inclusive quando originários de regiões nas quais não há atendimento hospitalar adequado, bem como pelo transporte de órgãos destinados à transplantes e o transporte de insumos, remédios, equipamentos médicos e vacinas para locais onde a Aviação Comercial não está apta a realizar voos.
Tal interesse humanitário e de saúde pública também se evidenciou durante o mesmo período de pandemia, quando o transporte aeromédico promovido pela Aviação Geral colaborou, indubitavelmente, com o salvamento de centenas de vidas.
Ademais, e não com menor relevância, a Aviação Geral gera renda e empregos a nível nacional, já que demanda apoio de profissionais e equipamentos diversos, a viabilizar a manutenção das aeronaves utilizadas nas operações, o abastecimento de combustíveis, o embarque e desembarque de passageiros, carga (incluindo as decorrentes da produção de derivados de petróleo), e outras atividades correlatas.
Resta claro, portanto, que a Aviação Geral exerce funções de interesse público que a Aviação Comercial não está adaptada a exercer, viabilizando a integração nacional via transporte aéreo regional, o transporte aeromédico de passageiros enfermos e órgãos destinados à doação e o desenvolvimento econômico, vez que viabiliza o deslocamento
célere e frequente dos responsáveis pela tomada de decisões públicas e empresariais de caráter estratégico e o transporte de carga especial em locais remotos, dentre outros.
Por tal motivo, representando indicativos da importância da atividade aérea conduzida pela Aviação Geral, foram instituídas diretrizes na Política Nacional de Aviação Civil (PNAC), estabelecida pelo Decreto nº 6.780/2009, determinando o estímulo ao desenvolvimento da Aviação Geral no Brasil. Adicionalmente, o Plano Aeroviário Nacional (PAN) 2018/2038 orienta que “é necessário que as políticas públicas a serem desenvolvidas para a Aviação Geral (…) levem em consideração as principais demandas do setor”, “dada a magnitude deste setor específico e as oportunidades de complementariedade com a aviação civil brasileira”.
Notória a relevância das atividades desenvolvidas pela Aviação Geral e a existência das referidas políticas públicas pertinentes, neste momento, vale refletir sobre a ausência de atos ou sobre o escasso direcionamento por parte das autoridades aeronáuticas, visando a implementação das diretrizes do PNAC e PAN, especialmente, no que se refere à necessidade de assegurar a infraestrutura essencial à operação da Aviação Geral no território nacional, incluindo os aeroportos coordenados.
Tomemos como exemplo o Aeroporto de Congonhas, o qual deverá ser concedido à iniciativa privada durante a 7ª Rodada de Concessões Aeroportuárias, prevista para ocorrer ainda neste ano de 2022. Da análise dos termos da minuta do contrato (e dos documentos vinculados) a ser celebrado entre ANAC e futuro concessionário, disponibilizados para consulta pública, denota-se que não existe garantia de cumprimento das políticas públicas acima mencionadas a assegurar a subsistência da das operações da Aviação Geral no referido aeroporto, que exerce a função de hub para o segmento no Brasil, conectando voos entre diversas regiões e destinos, inclusive
aqueles não cobertos pelas operações aéreas da Aviação Comercial.
Em termos operacionais, ressalvando-se que o presente artigo não objetiva aprofundar qualquer análise técnica, também há indicação de que não existem alternativas viáveis de outros aeroportos na região metropolitana de São Paulo, aptas a manter as usuais atividades da Aviação Geral, uma vez que os aeroportos próximos não possuem infraestrutura similar à atualmente utilizadas no que se refere à característica de hangares e pista, e (ou) estão situados em locais distantes dos pontos de interesse dos passageiros atendidos pelo segmento.
Sendo assim, vale questionar se a Aviação Geral não estaria sendo exposta ao risco de descontinuidade do desenvolvimento da sua atividade setorial, diante da falta de implementação das políticas públicas vigentes?
Feita tal ponderação, e diante da provável constatação de detrimento da atividade essencial de interesse público exercida pela Aviação Geral, resta indicar a necessidade de regulação por parte das autoridades aeronáuticas, implementando e concretizando as diretrizes do PNAC e PAN em relação à Aviação Geral.